quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Os brutos também amam...






















Tem um boteco que valorizo muito, localizado em Ivinhema (MS), tem um ambiente underground, um lugar para os "brutos". Seu nome é KimBar, acho que o bar tem uns 30 anos, o proprietário é o amigo Fernando cola. Tem um fato curioso, alguns anos atrás o banheiro (só tem um) tinha apenas o vaso sanitário, sem pia, a porta parecia com aquelas que tem nos bares de filme de faroeste, articulada e sem trinco, e na parede tinha um panfleto alertando sobre o perigo da gonorréia. Ambiente bruto.
Salve Kim!


KimBar
Ilustração: Cavic

domingo, 12 de outubro de 2008

cachaça SALMO XXIII

"Meu caro Edney, eu conheci a Salmo XXIII alguns anos atrás, por um amigo meu, o Beto Scretas, que frequenta direto a cidade de Monte Alegre do Sul, que fica a umas 2 horas de São Paulo, quase divisa com o sul de Minas.

Monte Alegre tem muitos alambiques.

Pois o Beto me levou um dia lá na fazenda Salmo XXIII, pra tomar a cachaça do Edson Peres. Maravilhosa… Acho q é a melhor que eu já tomei (não vou perder tempo aqui tentando descrever, que eu não sou louco…). Mas é cheirosa, macia, saborosa, enche a gente de espírito.

Aí, era assim: chegava lá, ele logo botava um copo pra cada um, e muita conversa, e bota um queijinho (que ele também fazia lá), e conversa, e bota outro copo, e mais um tira gosto, e no meio disso tudo ele ia contando como é que ele fazia a cachaça.

Eu sou leigo, não entendo bem o processo, mas descrevendo leigamente, começa que a fazenda dele fica num altiplano, já imaginou? Vc sai da estrada, pega uma estradinha de terra e vai subindo, subindo, subindo… Chega lá em cima, tem um valezinho, a fazenda é ali. Pois não é só a pinga que é feita ali. A cana também é plantada ali. E fermentada ali. Ele falava que era fermentada no ananás, que é um abacaxi do mato (que ele tinha ali também). Depois, passava por aquele processo todo, no alambique que ele limpava muito bem pra ela descer macia e saudável, e ele botava pra descansar por um tempo nas "cartolas", como ele chamava aqueles barrilzões de carvalho que ficavam numa espécie dum porão úmido e escuro. E ela só ia sair de lá da fazenda na mão de quem comprasse (ou na goela de quem tomasse...), já que ele não vendia no atacado. O Edson era escultor, então eu acho que de um certo modo ele esculpia cada safra, cada garrafa de Salmo… E vendia de uma em uma pra quem fosse lá. E provasse. E conversasse.

Agora em setembro ele morreu. Que triste… Eu estava lá, casualmente. A minha tristeza, além de ser pela pessoa, pelo bom papo, pela boa pinga, é porque quando morre um cara desses, que meio que é um guerilheiro-artesão-inventor, morre também um pouquinho duma maneira de se ver o mundo. Uma maneira pacífica, pessoal, que resiste, temperando força e marotice com talento e utopia, a essa vida medíocre que a pressa e a pressão tentam impor às gentes. Quando morre um cara desses, morre um pouquinho do espírito que dá valor a esse valor precioso que é o tempo. O tempo que leva pra fazer uma pinga com espírito. E o tempo que leva pra beber tal pinga com espírito.

O tempo preciso pruma coisa criar sabor.

Pois agora, como se diz no futebol, é levantar a cabeça e partir pra próxima. Porque, como acontece em toda boa história de quem detém um segredo sagrado, como o Edson, sempre tem alguém ao redor bebendo (oops…) a palavra sagrada. E corre a lenda que o filho dele conhece o caminho das pedras pra fazer a Salmo, timtim por timtim…

Que Deus abençoe o garoto e lhe guie o caminho, porque o mundo não pode ficar sem espírito…"

abração
Mauricio Pereira
http://www.mauriciopereira.com.br
http://www.myspace.com/mauriciopereira
http://br.youtube.com/user/mug5599


PS - pra complementar o meu relato, adiciono aqui o texto do Salmo XXIII, que é pra a gente sentir melhor essa pinga, e o texto e o mp3 duma canção minha que fala sobre gentes como o Edson Peres, chamada "Inventor Brasileiro", que é pra a gente honrar um sujeito desses.
Salmo 23

1 O Senhor é o meu pastor; nada me faltará.
2 Deitar-me faz em pastos verdejantes; guia-me mansamente a águas tranqüilas.
3 Refrigera a minha alma; guia-me nas veredas da justiça por amor do seu nome.
4 Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.
5 Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos; unges com óleo a minha cabeça, o meu cálice transborda.
6 Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor por longos dias.
Inventor Brasileiro (Mauricio Pereira)

era uma vez no meio do Brasil
num dia lindo feito outros mil
um inventor brasileiro a pé
come fubá, bebendo café…

um sentimento
um instrumento
para servir a população
por um momento
dá um alento
gera alegria na multidão

horas de busca
formas de luta
armazenando imaginação
ir generoso
belo e formoso
mesmo em confronto com a equação

no travesseiro
se numa noite
se desencontra a tua função
deus te acompanhe
dentro da angústia
atravessar pela solidão

gênios aos montes
tem pelas ruas
mil leopardos babando em vão
jogos de turmas
festas nas praças
potentes fontes de informação

simples inventos
feitos na hora
causem nenhuma assombração
caso um pedestre
pela janela
seja atraído pelo trovão

de uma idéia
sendo partida
pelo reflexo de um artesão
povo brilhoso
meu conterrâneo
consulta agora o teu coração